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30 de junho de 2008

Adorno e seu pensamento aplicado nas teorias da comunicação

Contribuição: Welliton Carlos da Silva, Jornalista, Advogado e mestre em Comunicação, a quem agradeço o envio do material.


PROGRAMA DE MESTRADO DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS AULA DA DISCIPLINA TEORIA DA COMUNICAÇÃO
Roteiro-trabalho para cumprir requisitos da disciplina Teorias da Comunicação, ministrada pela professora-doutora Ana Carolina Rocha Pessoa Temer

. Introdução
Este artigo-roteiro visa apresentar resumo biográfico, comentário da principal obra (Dialética do Esclarecimento) e conceitos fundamentais do filósofo alemão Theodor Adorno para o estudo da disciplina Teorias da Comunicação lecionada no Mestrado de Comunicação na Universidade Federal de Goiás (UFG). Con­tribuições de Adorno como definição de indústria cultural, desmitificação do termo cultura de massas e a abordagem da teoria estética foram fundamentais para o avanço no estudo da comunicação e arte – em especial da música contemporânea. Trata-se de autor híbrido, com interesses em sociologia e música, que apresentou acentuada importância para a filosofia crítica interessada em questionar o pensamento de Emmanuel Kant e sua meditação sobre o esclarecimento advindo do iluminismo, movimento filosófico do século XVIII.
De início, na virada dos anos 30 para 40 do século passado, as reflexões sociológicas de Adorno não provocaram impacto no mundo científico empírico, mas ocorreu o inverso entre os estudiosos da comunicação. Este segmento de estudos ao ser compilado como ramo único de saber encontrou nas definições de Theodor Adorno – e seu amigo de pesquisa Max Horkheimer – um importante tópico de investigação. Adorno jamais se propôs a realizar uma teoria da comunicação, mas foi adotado por este segmento devido seu esclarecedor ponto de vista.
Talvez este próprio apontamento já tivesse aborrecido o intelectual, que não desejava fazer ciência instrumental exclusiva para entender mecanismos isolados da atividade humana. Pela linha ética estabelecida ao longo de suas obras, e pela rejeição da parceria tentada por Paul Lazarsfeld, percebe-se que Adorno jamais utilizaria sua teoria como instrumento para entender o 'funcionamento' dos meios de comunicação.
Na verdade, o teórico alemão se revelou impetuoso desde o início dos seus trabalhos na Escola de Frankfurt, tentando algo mais profundo e amplo. O desejo do grupo integrado por Lowenthal, Horkheimer, Marcuse, Benjamin, dentre outros, era abordar as relações da cultura, da indústria e do Estado com a construção da liberdade e da justiça.[1]



2. Biografia

Rolf Wiggershaus afirma que pouquíssimos filósofos da história européia tiveram o conceito de sua obra teórica marcada pelo horror quanto Adorno. O principal expoente da teoria da Indústria Cultural é originário da classe média alemã, tendo nascido em Frankfurt como Theodor Wiesengrund Adorno no dia 11 de setembro de 1903. É um dos nomes mais conhecidos da Escola de Frankfurt, apesar de ter origem intelectual diversa dos demais integrantes do Institut fuer Sozialforschung, conforme explicita Phil Slater.
Na verdade, Theodor Adorno se enquadra na linha dos filósofos músicos – a mesma integrada por Nietzsche e Hans Cornelius. Daí seu currículo ser considerado à parte de outros integrantes do grupo que surgiu para estudar a nascente classe operária européia do começo do século XX. O horror enfrentado por Adorno e descrito por Wiggershaus em sua biografia a respeito da escola alemã refere-se ao holocausto advindo do nazismo. A supressão de direitos e a imposição da superioridade ariana resultaram no suicídio de seu amigo Walter Benjamin, na dissolução do centro de pesquisas de Frankfurt e na mudança do autor e músico para os Estados Unidos da América (MERQUIOR, 1969).
Antes do horror, Adorno desenvolveu sua habilidade musical em um lar adequado para a valorização da arte e da cultura de vanguarda. O pai Oskar Wiesengrund foi comerciante atacadista de vinhos e a mãe Maria Adorno figurou constantemente nos recitais da cidade como contralto profissional (WIGGERSHAUS, 1994). O estudante de piano e defensor do atonalismo costumava dizer que abraçou a filosofia e a música ao mesmo tempo. "Em vez de me decidir por uma, sempre tive a impressão de que perseguia a mesma coisa em ambas"(ADORNO, 1998).
Em meados da década de 20, o futuro filósofo da Escola de Frankfurt se mudou para Viena com intuito de aprofundar seus estudos de música ao lado dos integrantes do círculo vanguardista de Schoenberg – mentor principal do ainda hoje pouco assimilado dodecafonismo e cromatismo radical (HORTA, 1980). Os estudos e pesquisas com Alban Berg voltaram-se para piano e composição erudita contemporânea. Não bastasse a aproximação com Berg e Schoenberg - sendo este último teórico do atonalismo e Berg seu discípulo -, ainda teve aulas com músicos como Rudolf Kolisch e Webern. Em síntese, apesar do segundo plano que caracteriza sua participação, Adorno esteve envolto em grupos de música moderna que operavam a revolucionária arte do começo do século.
A passagem da música para a filosofia ocorre gradativamente, sendo que desde os 14 anos ele já desenvolvia leituras das principais obras de Kant. O amigo Siegfried Kracauer marca sua adolescência e amadurecimento intelectual, pois será o introdutor de Adorno no pensamento dos grandes autores alemães. Geralmente, os debates sobre a Crítica da Razão Pura, obra máxima de Kant, e Filosofia do Direito, de Hegel, ocorreram nas manhãs de sábado ( JAY, 1988).
O desencanto com a música acontece na medida em que passa a ser mais um comentarista da vida musical da Alemanha do que compositor respeitado no circulo cultural integrado pelos grandes revolucionários. A obra coletada Críticas das óperas e concertos de Frankfurt reúne textos da primeira fase intelectual do defensor de uma música cada vez mais radical e elitista. É deste período, fim da década de 20, a preocupação com a consciência estética – um dos primeiros temas recorrentes na obra do pensador alemão.
Em 1924, Theodor Adorno defendeu a tese de doutorado "A transcendência do objeto e do noemático na fenomenologia de Husserl". Era a indicação oficial de que deixaria a música para buscar espaço na constelação de novos pensadores alemães. Começava aqui, com o doutorado aos 21 anos, portanto, a segunda fase adorniana, inspirada na exposição do estético. Logo em seguida ele passaria a tratar especificamente da teoria crítica, tendo como resquícios sua experiência na interpretação da música de concerto (BUCK-MORSS, 1981).
Na virada de década de 20 para 30, Theodor Adorno tenta se tornar docente da Universidade de Frankfurt, mas tem sua proposta reprovada por Hans Cornelius e Max Horkheimer. Neste momento de sua vida, ocorre o encontro com Walter Benjamin, que passa a influenciar Adorno a partir das idéias centrais do texto A origem do drama barroco alemão e As afinidades eletivas de Goethe. Mais do que nunca, a defesa teleológica do estético e a consciência de uma obra única e honesta ocorre por intermédio de seu conhecimento musical – que, na década seguinte, será suporte também para a consolidação de uma outra teoria, ainda mais sólida do que a teoria crítica: a teoria estética. Durante a Segunda Guerra Mundial, Adolf Hitler obriga o fechamento de diversos centros intelectuais na Alemanha, incluindo a escola de arquitetura e design Bauhaus e a Escola de Frankfurt. Ao lado de Max Horkheimer, após a saída forçada do país, Adorno leva os fundamentos do instituto para os Estados Unidos, país em franca ascensão dos estudos de comunicação de massa sustentados pela visão positivista ou funcionalista de autores como Lazarsfeld, Berelson, Lippmann e Lasswell.
De acordo com Bárbara Freitag, inspirado negativamente pelo modelo da cultura americana, Adorno publica Dialética do Esclarecimento (1947). A padronização, a imposição de modelos e a mercantilização dos bens culturais será a experiência prática para a elaboração da teoria crítica de Adorno e Horkheimer. O livro é considerado sua principal obra em termos de popularidade, pois traz em um dos capítulos a definição de 'indústria cultural' – recorrente tema a ser explorado pelos estudiosos de seu legado filosófico.


3. Theodor Adorno e Escola de Frankfurt

Barbara Freitag inicia sua avaliação histórica a respeito da teoria crítica a partir da origem do nome 'Escola de Frankfurt'. De acordo com a pesquisadora, o termo refere-se simultaneamente a um grupo de intelectuais e a uma teoria social advinda dos estudos do marxismo não-ortodoxo. A denominação surge após os integrantes deste grupo já terem realizado seus trabalhos mais significativos, dando apenas certa unidade geográfica aos pensadores.
A estrutura da escola nasce após a realização de ciclo de estudos marxistas na Turingia, em 1922. Trata-se de entidade privada, formada a partir de denominação inspirada pelo conceito de associação do BGB, o Código Civil Alemão, tendo como característica o não financiamento público. Oficialmente a Escola chama-se Instituto de Pesquisas Sociais (Institut fuer Sozialforschung).
Com a instalação de prédio próprio, e a realização de parcerias com a Universidade de Frankfurt, o grupo teve repercussão intelectual em toda Alemanha e, posteriormente, nos Estados Unidos. Nos primeiros anos, a escola alemã produz revistas de ensaios e realiza seminários (SLATER, 1978). Um estudo celebre de Walter Benjamin sobre a obra de arte na era da reprodutibilidade técnica é publicado na revista do instituto[2].
Adorno chega ao Institut fuer Sozialforschung por meio de Max Horkheimeir, seu futuro parceiro nas obras mais populares do grupo. Horkheimer é o intelectual que vai colocar em prática os desejos de Felix Weil, filho de um capitalista que produzia trigo na Argentina e fornecia verbas para a manutenção da Escola de Frankfurt. Articulado com os demais intelectuais para combater o anti-semitismo, Horkheimer lidera o instituto quando o governo alemão decreta o fechamento em 1933. A Escola de Frankfurt segue, então, para a Suíça e depois Estados Unidos. Segundo Freitag, no primeiro país, arregimenta novos filiados – caso de Eric Fromm e Neumann:
No período de imigração o Instituto concede mais de cinqüenta bolsas de estudo e de pesquisa a intelectuais e judeus perseguidos pelo nazismo na Europa. Entre eles, se encontravam W. Benjamin, que entre 1933 e 1938 viveu em Paris, e Ernest Bloch, que ao contrário de Benjamin consegue emigrar em tempo para os Estados Unidos. (FREITAG, 1986, p.16)

A principal contribuição de Adorno para a escola alemã refere-se à proposição de três linhas de pesquisa dentro de uma nova análise da sociedade. Ao lado de Horkheimer, ele vai tratar da dialética da razão (principalmente a kantiana advinda do iluminismo) e realizar a crítica da ciência. Em um segundo momento, após a passagem pela Califórnia (EUA), trata da dupla face da cultura e a discussão em torno da indústria cultural – que, após a apresentação da dialética negativa, vai se transformar em teoria estética. Por fim, menos intenso do que Jurgen Habermas, afeito ao debate das esferas públicas, direito e democracia, a Escola de Frankfurt vai falar da questão do Estado e sua legitimação (SLOTERDIJK, 1983).

4. Principais conceitos em Theodor Adorno

Theodor Adorno integra o principal núcleo de discussão do iluminismo ou esclarecimento a partir da reflexão marxista não-ortodoxa – diga-se, desta forma, marxismo acadêmico. O termo em alemão é vertido para Aufklaerung. Daí o título do livro central na obra de Horkheimer e Adorno: Dialética do Esclarecimento. O 'esclarecimento' é uma preocupação aprimorada em Kant e toca a Escola de Frankfurt por conta da não realização do futuro esperado pelo filósofo e autor de Crítica da Razão Pura.
Segundo Kant, os homens deveriam fazer uso da razão para tomarem conta do próprio destino. O conceito de esclarecimento utilizado por Adorno não significava o processo emancipatório que conduziria o ser humano à autonomia e determinação, daí a inclusão do termo 'dialética' como contradição. De acordo com Kant, como seres humanos, portanto, abandonaríamos a menoridade e chegaríamos a muendigkeit (maioridade) a partir de alguns pressupostos. Adorno e Horkheimer vão mostrar que esta realidade não se concretizará.
Adorno situa as pretensões kantianas já nas primeiras linhas de Dialética do Esclarecimento: "O programa do iluminismo consistia no desencantamento do mundo. Eles queriam dissolver os mitos e fortalecer as impressões através do saber" (ADORNO e HORKHEIMER, 1947). Os frankfurtianos, de antemão, não demonstravam ter mais crença de que o homem passaria a uma nova etapa da humanidade pelo simples caminho da razão. Phil Slater, que não deixa de externar críticas contra a presunção de Adorno e Horkheimer, aponta que os dois passam a questionar essa possibilidade iluminista a partir do saber e da tomada de consciência do conhecimento científico. Para eles, o saber produzido pelo iluminismo não conduzia o ser humano a qualquer forma de emancipação. Ao contrário: a razão técnica advinda do século das luzes, das conquistas tecnológicas e civis e a ciência moderna desencadeada no começo do século XX seriam um meio caminho para a relação ditatorial e autoritária, cujo melhor exemplo seria o nazismo.
Dialética do Esclarecimento serve, então, para que Adorno e Horkheimer demonstrem, por meio da leitura crítica do marxismo não-ortodoxo, como a razão iluminista se descola e se autonomiza e, como assinala Bárbara Freitag, acaba se voltando contra suas tendências emancipatórias. Para combater estas razões instrumentais, movidas pelo capital, surge, então, a razão crítica – a base de todo o pensamento advindo do instituto de Frankfurt.
Tanto Kant quanto Hegel definem a razão como sujeito abstrato da história individual e coletiva que pode tirar os homens da situação de alienação. Mas tanto Horkheimer quanto Adorno enxergam a razão como 'controle totalitário da natureza' e dominação incondicional do homem. A partir destes dois termos 'controle' e 'dominação' é que surge a definição da razão instrumental – que deve, portanto, ser combatida, repelida e expurgada. Essa rotação dialética da razão (de pura para técnica e de técnica para crítica) vai ser a pedra de toque e o estado de arte nas reflexões do grupo, que neste momento já não pretende pesquisar empiricamente o operariado alemão, mas demonstrar caminhos filosóficos e metafísicos para quebrar esse ciclo que aliena e desvia o desejo emancipatório e natural do homem. Dentro desta ansiedade intelectual, surge a definição da indústria cultural e cultura de massas – que não seria a cultura realizada pelas massas como povo ou população. Tal cultura não denota a cultura popular, feita nas ruas pelos próprios manifestantes, mas a 'cultura' produzida pela indústria para atingir as massas, para vender e empurrar produtos de cima para baixo. A cultura popular, bem diferente, é aquela que nasce dos anseios e desejos recônditos dos populares – são as atividades manifestadas nos encontros das comunidades e fruto da reflexão desinteressada dos protagonistas. A cultura de massas, por sua vez, visa atender um nicho de mercado. Ou seja: padroniza conceitos e comportamentos e os vende por determinado valor.
Logo, não seria 'cultura', mas produto que gera 'mais valia', objetos que suscitam lucros para aplicadores financeiros. Por trás dos artistas, evidentemente, estariam mercenários, vendedores e empulhadores da arte, cuja preocupação não seria repartir eticamente sensações e emoções, mas comercializar produtos banalizados e batizados de 'culturais'.

5. A indústria cultural

A indústria cultural se transformou em tema recorrente para estudos em música, cinema e meios de comunicação nos anos 50, 60, 70 e 80. Não perdurou, porém, como pensamento dominante. Para alguns teóricos dos anos 90, caso de John Thompson, nada do que foi escrito pelos teóricos de Frankfurt sobre 'indústria cultural' pode ser levado à sério:

Duvido que alguma coisa se possa ainda resgatar hoje dos escritos mais antigos dos teóricos da Escola de Frankfurt, como Horkheimer, Adorno e Marcuse: sua crítica do que eles chamavam de 'a indústria cultural' era muito negativa e se baseava em conceitos questionáveis sobre as sociedades modernas e suas tendências de desenvolvimento (THOMPSON, John, 1994, p. 41)

Adorno define a indústria cultural como a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Do mesmo núcleo de pensamentos que motivou suas análises musicais do começo de carreira como resenhista de ópera e concerto, Adorno retira os elementos que definem a cultura como atividade humana libertadora – algo que não deve ter tocado ou sido levado a sério por um pensador do quilate de Thompson, infelizmente um insensível para a importância da cultura.
Para Adorno, a cultura transcende a autopreservação sistêmica da espécie, pois traz em seu suporte a dimensão crítica contra todas as instituições que existe (ADORNO e HORKHEIMER, 1947). A pergunta interior que o autor de Dialética do Esclarecimento vai fazer é a seguinte: o que ocorre quando a razão instrumental - da ciência e da tecnologia - se encontra com os capitalistas para produzir cultura e massificar a arte? Esse encontro terá como vértice o exemplo da indústria cultural, conforme as próprias palavras do pensador:

Ela força a união dos domínios, separados há milênios, da arte superior e da arte inferior. Com o prejuízo de ambos. A arte superior se vê frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe era inerente enquanto o controle social não era total. (ADORNO e HORKHEIMER, 1947, p. 287).

Sem se concentrar em uma temática artística exclusiva, Adorno e Horkheimer realizam apontamentos bastante críticos e panfletários não comprovados empiricamente, daí serem chamados mais tarde de sociólogos amadores pelos críticos. Perdura, porém, a importante análise crítica filosófica, muito mais pertinente do que meras pesquisas quantitativas:
Ultrapassando de longe o teatro de ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual estes possam, sem perder o fio, passear e divagar no quadro da obra filmica permanecendo, no entanto, livres do controle de seus dados exatos, e é assim precisamente que o filme adestra o espectador entregue a ele para se identificar imediatamente com a realidade. Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam essas capacidade em virtude de sua própria constituição objetiva (1947, p. 119).

De acordo com Bárbara Freitag, o conceito de indústria cultural proposto por Theodor Adorno e Max Horkheimer já faz parte do repertório temático da sociologia e comunicação. A definição surge antes mesmo da publicação de 'Dialética do Esclarecimento'. Grande parte dos estudiosos de comunicação acredita que o conceito nasce desta obra, o que multiplica o erro histórico. Na verdade, o ensaio de Horkheimer Arte e cultura de massa, de 1941, já traz o termo antecipadamente para tratar da atrofia da imaginação dos consumidores desta espécie de 'cultura'.
Theodoro Adorno, porém, será o autor a propagar com maior facilidade a discussão em torno deste tema. De fato, a Dialética do Esclarecimento é o livro que vai trazer à tona – com maior fôlego – o debate sobre o conceito. O ensaio Indústria Cultural oferece as bases para a definição do termo e demonstra através de uma linguagem mais ácida os males e conseqüências de uma sociedade regida pela música ligeira, cinema e demais ícones do mass media. Dentro desta definição frankfurtiana, a indústria cultural seria a forma sui generis pela qual a produção artística e cultural é organizada no contexto das relações capitalistas de produção, lançada no mercado e por este consumida (FREITAG, 1986).
No texto que aborda este assunto, Adorno e Horkhemier tratam da mediação e da inserção de pequenos exemplos retirados da relação prática entre mercado e cultura. Adorno explica que a produção cultural tem a função de ocupar o espaço de lazer do trabalhador assalariado. O único momento realmente destinado ao operário para fazer reflexões de sua condição humana acaba preenchido por mais um mecanismo de geração de capital e consumo. O lazer substitui o diálogo. O entretenimento produz o passatempo da alienação e o homem se perpetua em sua dramática ignorância. Segundo revelações realizadas pela viúva de Theodor Adorno a Habermas, o conteúdo do ensaio sobre indústria cultural deve ser dedicado quase que exclusivamente ao filósofo e músico. De fato, percebe-se tal influência da análise e citação de Beethoven à critica contra elementos da música popular. Segundo os autores, a indústria cultural produziria a regressão do sonhado esclarecimento para a ideologia, que encontra no cinema e no rádio sua expressão mais influente – talvez encontremos aqui, na crítica ao rádio, mais uma demonstração de que os dedos de Adorno teriam escrito as justificativas do termo proposto anteriormente por Max Horkheimer.
Para entender a construção e desenvolvimento do conceito de indústria cultural na obra de Adorno é necessário investigar a primeira grande preocupação teleológica da Escola de Frankfurt. Trata-se da questão do conceito de esclarecimento em Immanuel Kant e sua não realização, conforme a crítica posterior dos frankfurtianos.

5.1. Esclarecimento e iluminismo

Logo no prefácio de Dialética do Esclarecimento, Theodor Adorno e Max Horkheimer situam exatamente a inspiração para a confecção do ensaio. Eles se referiam a necessidade de tecer uma crítica a atuação humana frente ao mundo sistêmico do mercado e estado. (ADORNO e HORKHEIMER, 1947). "O que nós propuséramos era, de fato, nada menos do que descobrir por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova barbárie". É evidente que Adorno critica o nazismo, um sistema que suprime liberdades e violenta o ser humano de forma mais brutal e direta do que as ações de império dos reis e monarcas.
O livro procura, então, demonstrar como fracassou a promessa de que o saber seria suficiente para retirar as pessoas da menoridade e alçar a maioridade. Kant acreditava que o homem ao dissolver os mitos e substituir a imaginação (sempre fértil em mitologias, crenças e valores infundados) pelo saber estaria se credenciando para atingir a evolução da humanidade. Sair da menoridade é poder decidir por conta própria o que e quando fazer determinada ação humana.
Tal esclarecimento, advindo do iluminismo, seria a chave para a liberdade. O artigo Was ist Aufklaerung?, de Kant, enxerga na razão um instrumento para libertação do homem. Através dela, a humanidade alcançaria sua autonomia e maioridade ou mundigkeit (KANT). Ele defendia que o homem deveria assumir com coragem e competência seu próprio e verdadeiro destino (FREITAG, 1986). Kant afirmava que o destino, sorte ou acaso devem ser suplantados pelo saber. Para atingir a mundigkeit era necessário reconhecer que os caminhos da vida não são ditados por forças externas – os mitos, deuses e leis da natureza, como trovões ou chuvas. Kant entendia a experiência como possibilidade de interpretação da realidade e adequação do sistema da vida. A obrigação moral e o ato cogente seriam necessários para que pudéssemos conquistar a razão.
Antes de questionar a razão kantiana, os teóricos de Frankfurt realizaram extenso debate a respeito da aufklaerung. A crítica da razão e o tema do esclarecimento passam a ser fundamental nos estudos do grupo de intelectuais alemães. De acordo com o primeiro capítulo de Dialética do Esclarecimento, o conhecimento produzido pelo iluminismo se revela ingênuo em seu ponto de partida. Ocorre que o domicílio da razão – técnica e ciência – tornou-se um espaço destinado à repressão. A razão instrumental passa a ser, portanto, uma arma para a dominação totalitária da natureza e do homem (SLATER, 1978). Não bastasse o uso da indústria da comunicação de massa, Hitler utiliza-se da medicina moderna e dos primeiros experimentos em genética para aprimorar 'espécies humanas' com cirurgias esdrúxulas. Neste mesmo pálio interesse ético e pervertido, desenvolve uma indústria da morte, que produz pessoas asfixiadas, corpos mutilados e crianças e idosos metralhados. As fábricas medonhas da maldade seriam a prova mais que suficiente do fracasso desta festejada emancipação iluminista.

5.2. Teoria crítica, indústria cultural e comunicação

Mauro Wolf aponta a teoria crítica proposta pelos intelectuais frankfurtianos como importante contribuição aos estudos de comunicação. Trata-se de complexa rede de pensamentos inspirados no marxismo voltado para a academia. "A identidade central da teoria crítica configura-se, de um lado, como construção analítica de fenômenos que ela indaga e, de outro, contemporaneamente, como capacidade de relatar tais fenômenos às forças sociais que os determinam" (WOLF, 2003).
O pesquisador das teorias de comunicação explica, portanto, que o ponto de partida da teoria crítica é a análise do sistema de trocas. Por isso a definição de indústria cultural é tão essencial para entender a reflexão crítica. Paradoxalmente, devido ao entendimento semelhante ao estrutural funcionalismo, Adorno e Horkheimer também enxergam a indústria cultural como um sistema. (ADORNO e HORKHEIMER, 1947).
Portanto, o mesmo léxico dos funcionalistas é utilizado pelos frankfurtianos, que encaram a organização capitalista sob o ponto de vista sistêmico. Dentro do sistema, partindo dos pressupostos da sociologia clássica, existe uma tentativa de auto-preservação e sobrevivência, o que se aplicaria à indústria cultural. "Hoje a racionalidade técnica é a racionalidade do próprio domínio" (Ibid).
Em um trecho da Indústria cultural, portanto, os teóricos críticos analisam o cinema e o cineasta de forma pejorativa. Uma das acusações dos dois teóricos alemães diz respeito ao ato de rejeição de qualquer "manuscrito que não revele em suas entrelinhas um best-seller animador".
A construção do texto de Adorno e Horkheimer é menos científico do que se supõe, pois apenas realiza uma inferência e constatação potencial sobre a indústria. Logo, deixa em aberto a não comprovação de suas acusações. Hoje, décadas depois, é possível constatar que quando Adorno se refere ao movimento musical de Beethoven desfigurado pela indústria, ele deveria realizar a demonstração deste evento. Talvez a partir da análise estrutural musical ou mesmo semiótica seria um caminho para aplicar melhor e comprovar sua hipótese – passível de comprovação.
A escrita de Adorno se parece muito com o texto jornalístico opinativo, pois atua como flash e recorte, não se aprofundando nos estudos de caso. Exatamente pelo caráter de ensaio, os dois autores perdem a oportunidade de desenhar uma crítica mais pontual dos meios de comunicação de massa – que seriam o veículo principal das transformações advindas da indústria cultural. "Divertir-se significa concordar", "O suposto conteúdo não passa de uma pálida fachada", "o que se imprime é a sucessão automática de operações reguladas" (ibid).
Tais proposições pagaram o preço da generalidade durante as últimas décadas, em que novos autores – oriundos, principalmente, das comunicações - aproximam as idéias de Adorno e Horkheimer ao velho sistema da Teoria Hipodérmica. Se Adorno equivoca-se ao não lançar mão de outros métodos para comprovar suas hipóteses, pior revelam-se seus críticos, incapazes de observar que Adorno e Horkheimer não teorizam, mas reproduzem um sistema de verdades óbvias e incontestáveis em sua generalidade.

6. Resumo bibliográfico

Theodor Adorno afirma que os dirigentes da economia e da sociedade podem corromper os ideais libertadores da época do Iluminismo para manipularem ideologicamente as pessoas e reprimi-las socialmente. Seria essa a causa, por exemplo, do extermínio dos judeus praticado pelos 'cientistas' do nazismo. Tais idéias perpassam várias obras dos autores alemães. Além de Dialética do Esclarecimento (1947) e textos publicados na revista do instituto ( Zeitschrift), Adorno editou várias outras obras. A fase final de estudos, dentro do agravamento niilista de seu pessimismo, retoma a questão estética e algumas avaliações genéricas sobre o Estado, sem estudo aprofundado da teoria geral das nações. A Personalidade Autoritária (1950) e Dialética Negativa (1966) são as duas obras mais importantes do pós-guerra. A formulação teórica do movimento estudantil dos anos 60 se inspirou em parte nestas duas publicações. Mínima Moralia (1951) apresenta uma evolução do pensamento crítico e Teoria Estética (1970) refaz o percurso das idéias expostas na teoria crítica.

7. Conclusão


Segundo Adorno, a indústria cultural impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente. Dentro deste prisma, a idéia dos frankfurtianos merece respeito pelo pioneirismo em abrir os olhos da humanidade para este novo fenômeno de mercado. Para eles, na indústria cultural, tudo se torna produto. Enquanto negócio, seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de bens considerados culturais.
Um exemplo disso, dirá Adorno, é o cinema. O que antes poderia ser mecanismo de lazer, ou seja, uma arte, agora se tornou um meio eficaz de manipulação. Portanto, segundo a visão dos teóricos alemães, podemos dizer que a indústria cultural traz consigo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel específico. Ou seja: o de portador da ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo o sistema.
Na Teoria Estética, obra que tentará explanar pensamentos sobre a salvação do homem, Adorno dirá que não adianta combater o mal com o próprio mal. Exemplo disso ocorreu no nazismo e em outras guerras (FREITAG). Segundo ele, a antítese mais viável da sociedade selvagem é a arte. A arte é que liberta o homem das amarras dos sistemas e o coloca como um ser autônomo e, portanto, um ser humano. Enquanto para a indústria cultural o homem é mero objeto de trabalho e consumo, na arte é um ser livre para pensar, sentir e agir. A arte é como se fosse algo perfeito diante da realidade imperfeita, cuja estratégia se revela no assassinato, na corrupção e paranóia consumista.
Logo, existe uma evolução no pensamento de Adorno. Ele não reconhece a generalização imperfeita de sua proposição para o conceito da indústria cultural. Antes disso, retoma uma teoria bastante coerente para a importância da arte e estética. Em todo caso, a análise pioneira da indústria cultural desperta os demais ramos de estudos da comunicação para encontrarem mecanismos de pesquisa que comprovem ou rejeitem a proposta de Adorno e Horkheimer.
Acreditar que o cinema seja totalmente totalizante é um equívoco preconceituoso, na medida em que autores como F. W Murnau, também alemão, realizava - duas décadas antes da proposição do conceito de indústria cultural - verdadeiras obras primas reflexivas e poéticas, caso de Nosferatu, (1922), Aurora (1927) e A Última Gargalhada (1924).


8. Bibliografia

BUCK-MORSS, S. Origen de la dialéctica negativa: Theodor W. Adorno, Walter Benjamin y el Instituto de Frankfurt. México: Sigloc Ventiuno, 1981
FREITAG, BARBARA, Teoria Crítica: Ontem e Hoje. São Paulo: Brasiliense, 1986
HORKHEIMER, M., e ADORNO, T. W., Dialética do Esclarecimento: Fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997
HORTA Luis, Dicionário de Música. Rio de Janeiro. Zahar. 1980
MERQUIOR, José Guilherme. Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1969
SLATER, Phil. Origem e Significado da Escola de Frankfurt. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978
PUCCI, B.; OLIVEIRA, N.R.; ZUIN, A.A.S. Adorno: o poder educativo do pensamento crítico. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003
THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade: uma teoria social da mídia - Petrópolis, RJ : Vozes, 1998.
JAY, M. As idéias de Adorno. São Paulo: Cultrix, 1988
WIGGERHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt, História, desenvolvimento Teórico, significado político Editora Difel, 2001.
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 2005


[1] Outros pensadores menos famosos da mesma época, caso da alemã Elizabeth Noelle Newman (1916), apresentaram contribuições mais específicas para estudos dos meios de comunicação, caso da Teoria da Espiral do Silêncio. Aos 19 anos, Newmann se envolveu na defesa do nazismo, mas abandonou tal partidarismo com o fim da Segunda Guerra Mundial. É doutora em jornalismo e colunista do Frankfurter Allgemeine Zeitung
[2] O ensaio de Walter Benjamin a partir das características do cinema será ainda hoje a nota dissonante em desagravo ao que se chama de dialética negativa adorniana. O texto não execra a cultura de massas, como o faz Adorno, mas procura encontrar possibilidades interpretativas benéficas do fenômeno protagonizado pela indústria cultural.